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Pedra

Espaço Cultural Renato Russo

Brasília (DF)

2023

Promovida pelo Museu das Mulheres

Curadoria: Suyan de Mattos

Fotos: Humberto Araújo

Vânia Moraes | Texto
 

A pele, uma atrevida. Atreve-se a ser órgão disfarçado. Reveste nossas entranhas como se fosse muito diferente delas. Atreve-se ainda mais ao nos iludir de que estabelece um limite entre nós e o outro, entre o eu e o mundo, quando somos quase uma coisa só, nos influenciando mutuamente. Talvez a pele seja um dos agentes mais poderosos do ego a nos iludir a respeito de nossa individualidade. 

 

Atrevida, denuncia nossa idade, nosso envelhecimento, nossos rubor e constrangimentos, nossas noites mal dormidas, nosso abatimento e palidez. É ela que se apresenta como nudez, que seduz e se esconde, que reveste nossa sexualidade, que é tocada, acariciada, cutucada, que comunica prazer e dor. 

 

Atreve-se ainda a aparecer uniforme e compacta, ela tão heterogênea e porosa, repleta de irregularidades. Barreira de proteção que deixa absorver boa parte do que nela encosta, tornando-se um fora e dentro, um eu e não eu. Uma verdadeira contradição. 

 

Um agente político e de dominação. Instrumento de racismo, de etarismo e de tantas outras exclusões. Uma identidade que se apresenta de fora para dentro, que segue modismos e que às vezes nos confunde sobre quem somos realmente. É o nosso eu diante do espelho, nos iludindo de que esta imagem refletida somos nós. 

 

Atrevimento maior ainda é pele de pedra. É arte que nos convida a refletirmos sobre isso que é gente e natureza ao mesmo tempo. Algo que é rígido e belo, duro e macio. Um convite ao olhar, mas também ao toque. Um mineral que se apresenta em um formato tão humano. Esqueceu que nos ensinaram que os minerais e os humanos pertencem a reinos diferentes. Universos separados, cada um no seu quadrado. 

 

Que pedra atrevida que se fez sob a aparência de pele. Que nos faz pensar em nossas marcas, em nossas manchas, em nossa subjetividade e em nossa história. Um convite à reflexão. E um convite ainda maior à beleza, pois assim como o objeto cutâneo original, a pele de pedra é bela, é linda. 

 

Mas para ser arte é preciso ousadia. É preciso olhar para o que aí está e ver algo novo, ver maciez no que é duro, ver pele em pedra. É ver vida onde aparentemente não há. É tirar de dentro de si a pele/arte que nos habita e trazer para o mundo de forma tão atrevida. 

 

É a testemunhar este atrevimento que Léa Juliana nos convida. Ela também menina atrevida. Faz arte sem estardalhaço, mas que provoca, por meio de seu trabalho, um olhar novo sobre o que já é tão comum a todas e a todos nós. Um convite para olharmos nossas peles, mas também e, talvez principalmente, nossas pedras. 

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